Ditão: um herói caído do boxe brasileiro






Há exatos 96 anos, dia 11 de maio de 1924, o boxe brasileiro vivia uma das maiores de suas tragédias. O esporte ainda engatinhava no Brasil, com raros treinadores, pouquíssimos boxeadores, sem federações ou órgãos controladores. O soldado da Força Pública Benedicto dos Santos, conhecido como Ditão, enfrentou nesta data o italiano Ermínio Spalla.

Ditão era um pugilista negro de físico impressionante, alto, musculoso, forte e corajoso. Em poucos meses de profissionalismo venceu com grande facilidade três adversários, nocauteando todos em São Paulo. Em sua segunda luta, enfrentou um tcheco com dezenas de vitórias na Europa, e o nocauteou no segundo round. A série de vitórias por nocaute impressionou o público e fez com que seus treinadores e empresários se empolgassem com a possibilidade de fazer o primeiro campeão do mundo brasileiro. Estamos em 1924, lembrem-se.

Com apenas três lutas de experiência, Ditão foi colocado à frente de Erminio Spalla, italiano campeão europeu com mais de quarenta lutas no cartel. Spalla tinha experiência em lutas na Itália, Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos, Senegal e Argentina. Em Buenos Aires, enfrentara em 15 rounds a lenda Luis Angel Firpo. Ditão tinha três lutas e quatro rounds de experiência. Mas seus dirigentes e o público brasileiro achavam que ninguém seria capaz de aguentar um soco do gigante de ébano. A falta de maturidade custou caro. A luta se deu no estádio do Palestra Itália e mobilizou toda São Paulo.

Em uma luta com luvas de seis onças, Ditão foi castigado duramente pelo 'velho lobo'' italiano, indo a nocaute no 9° round, após resistir a duro castigo. Ditão sofreu danos cerebrais e ficou em estado de coma por alguns dias, lutando de forma silenciosa pela própria vida. Ao sair do hospital, Ditão ficou com sequelas irreversíveis, impossibilitado de lutar boxe e praticar outros esportes, uma vez que seu corpo ficou parcialmente paralisado. Pelo resto da vida Ditão arrastou sua perna direita e teve dificuldades motoras.

Imediatamente após a luta com Ditão, Spalla viajou a Nova York onde enfrentou Gene Tunney, que se tornaria campeão do mundo poucos anos depois. Dez anos depois de sua luta com Ditão, Spalla voltaria ao Brasil para encerrar sua carreira com o cartel de 43 vitórias, 10 derrotas e 2 empates. Um fato curioso é que Spalla e Ditão tornaram-se amigos, e o brasileiro fez corner para o italiano nas suas lutas de retorno no Brasil em 1934. Ditão manteve-se dentro do mundo do boxe, foi treinador do Corinthians nos anos 1940 e era figura popular no meio pugilístico. Sua fama, porém, não lhe trazia benefícios financeiros, e Ditão viveu e morreu pobre. Quanto valia a vida de um negro analfabeto no Brasil dos anos 1920? Quanto vale hoje, em 2019?

Infelizmente não existem imagens conhecidas de Ditão, seu rosto nos é desconhecido. Pesquisas em arquivos trouxeram apenas recortes de jornais sem imagens. Portanto, para ilustrar esta publicação, colocamos uma foto do campeão do mundo em 1924, o branco Jack Dempsey, treinando com o negro George Godfrey, um dos grandes nomes do boxe mundial na década de 1920.

Que Ditão nunca seja esquecido! Nosso primeiro rei sem cora, nosso primeiro heroi caído!


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Pesquisa e texto: Breno Macedo
Mestre em História do Boxe - USP

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