Histórias Cruzadas - Família Durães e Família Macedo

A triste notícia da morte de Jackson Durães ainda reverbera em mim. A sua história, história da sua família, se cruza com a minha história esportiva, com a trajetória da família Macedo. Nossas histórias são cruzadas, como narro agora nessa pequena homenagem.
O conheci quando eu era um adolescente, lá pros idos de 2005, quando Jackson já era um boxeador rodado. Como se não bastasse, sua esposa e mãe de seus três filhos pequenos também já boxeava, quando o boxe feminino no Brasil ainda engatinhava. É muito comum até hoje ver boxeadores e treinadores dizendo que não gostariam que sua namorada lutasse, mas pro Jackson era o contrário. Não só incentivava sua esposa, mas como a treinava e subia no corner em suas lutas. Elisangela Martinelli tornou-se das atletas mais fortes do país.
Meu pai, Marcos Macedo, trabalhou em algumas competições com a Elisângela, começando essa relação de irmandade com a família Durães. Grande incentivador do boxe feminino em seus primórdios, Marcão ganhou o coração e confiança de Jackson e Elisângela, que sempre viram no Velho Macedo um conselheiro e um militante do boxe.
Em 2008 em participei pela primeira vez de um campeonato brasileiro, lá em Cuiabá. Eu tinha 20 anos e nunca tinha saído pra competições fora do estado de SP, então o nervosismo e insegurança eram grandes. No meio de tantos "homens maus" de todos os fundões do Brasil, havia um rosto conhecido e amigo lá do Baby Barioni, era o Jackson. Subi em seu corner em algumas lutas e me lembro da sua reação quando perdeu por pontos para nosso futuro campeão mundial Everton Lopes. Como bom esportista que sempre foi, Jackson apenas aceitou a derrota e disse: "O moleque é bom, foi melhor que eu....". Obrigado pela experiência de lutar com o Everton junto contigo, Jackson
Dois anos depois, Jogos Abertos do Interior, eu boxeava nos 75 kg e havia um cara chamado Daniel Durães na minha chave. Era o irmão do Jackson, nós chegamos na final e eu ganhei dele por pontos, com o Jackson no seu corner e meu pai no meu. Mais uma vez que as famílias se cruzaram. Nesse mesmo Jogos Abertos o Jackson ganhou, com sua força invejável física e experiência, do Kid Caíque Silvano, o primeiro atleta da família Macedo a ir para a seleção.
A partir de 2011,quando a filha mais velha do Jackson, Jaqueline, já começava a ter idade para boxear, novos 'personagens' da família Durães começaram a aparecer. Sua filha chegou a ganhar da Jucielen num evento, colaborando para a formação da nossa grande campeã. Seu filho do meio, Laion, começou a despontar um pouco depois, e em 2018 sua história se cruzou com a história de mais um Macedo, o Leonardo Macedo
. Leo havia acabado de ir pra seleção, pela primeira vez ia a uma grande competição internacional, e Laion Durães foi um dos atletas orientados por ele. Leo ajudou o pequeno Durães a vencer todos seus adversários lá em Colorado, Estados Unidos, e se tornar campeão continental juvenil.
Quando recebi a notícia de que Jackson estava mal de covid, esperando vaga para a UTI, automaticamente me lembrei desse negrão lutando. Um cara de fibra, uma saúde invejável, um atleta nato. Me lembro dele sofrendo para tirar o peso, pulando corda com capa de motoqueiro durante horas. Sim, horas. Acho que o Jackson é um dos caras que mais vi tirando peso nos campeonatos, o cara sofria.... Sua saúde era de ferro, como tem que ser quem se atreve a subir num ringue. Mesmo assim, o virus foi mais forte e o levou aos 44 anos.
A história de Jackson é a de mais um migrante que saiu do norte de Minas para tentar a vida em São Paulo. Mais um cara preto, índio, mestiço, do povo, que conciliava o trabalho como pedreiro e o esporte. Mais uma vida transformada pelo boxe, pois o pedreiro virou professor de Educação Física. A história da família Durães é uma história como a minha, como tantas outras famílias militantes do boxe espalhadas pelo mundo.
"A vida é uma luta que no final se perde."
Jackson, você perdeu essa luta, mas saiba que fez um bom combate, como voce sempre o fez. Obrigado por sua existência e seu legado.
Te saúdo com lágrimas nos olhos, irmão.
Breno Macedo
São Paulo, 7 de abril de 2021

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